Precisamente, as primeiras dezoito latas surgiram na noite de 25/9/1987. Eram latas semelhantes às encontradas em supermercados, com leite em pó, e foram encontradas boiando próximas ao litoral do município de Maricá, no Rio de Janeiro, distante cerca de 60 quilômetros da capital. Assustados, após abrirem algumas delas, pescadores entregaram o achado para a Polícia Militar. Cada lata continha cerca de 1,5 kg de maconha bem apertadas e protegidas por papel celofane. Foi o primeiro registro oficial do acontecimento que entraria para a história como o “Verão da Lata”.
A história começa no final de agosto, quando a Polícia Federal do Rio de Janeiro recebeu um comunicado do DEA (departamento que combate ao narcotráfico nos USA) dando conta que o navio proveniente da Austrália, chamado Solana Star, estava no litoral do brasileiro carregando 22 toneladas de maconha, a serem recambiadas para Miami, através de outros dois barcos. Avisados pela contraespionagem, a tripulação despejou a mercadoria no mar. No dia 20/9, diversas latas começaram a aparecer, boiando no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo. O episódio, que inspirou música e até tese de doutorado, aconteceu num momento em que o país estava no período de transição entre o final da ditadura e a redemocratização, e foi tratado com bom humor pela imprensa.O escritor Wilson Aquino, no livro “Verão da Lata” descreve a dimensão da ocorrência e conta a verdadeira “caça ao tesouro” por parte da população para descobrir o paradeiro das latas, e o medo de ser pego. “Hoje em dia é tranquilo, você pode até ser liberado depois de responder alguma bobagem”. Na época, a violência policial era tão institucional quanto o preconceito aos “maconheiros”. “Vivíamos um período pós-ditadura, então as pessoas ainda tinham muito medo”, diz ele. Aquino conversou com diversos policiais da época, mas conta que apesar de muitos deles terem estreitas ligações com os antigos órgãos de repressão da ditadura, sua atitude, uma vez que as latas se espalharam, foi de relativa permissividade. “Os caras com que eu conversei são maduros, a maioria já deve estar aposentada, eles hoje têm outra visão. Eles próprios acharam que isso não causou uma convulsão social. Mas houve alguma repressão, em todo cais tinha uma operação da polícia”. A população, no entanto, recebeu as latas como um presente do mar. Houve que afirmasse ser presente de Iemanjá, outros acreditaram em sinais de Netuno.
Aproximadamente quinze mil latas foram lançadas ao mar, e pouco
mais de duas mil chegaram a ser apreendidas pela polícia. Após o descarte
da carga, a tripulação do Solana Star pediu autorização para entrar com o navio
no Porto do Rio para efetuar reparos no barco, que foi apreendido. A
tripulação, com exceção do cozinheiro Stephen Skelton, saiu do país nos dias
seguintes. O cozinheiro acabou preso e foi condenado à uma pena de vinte anos, e
ficou um ano preso. O Superior Tribunal Federal (STF) entendeu que a quantidade
de maconha apreendida no barco era muito pequena para uma condenação tão
rigorosa por tráfico internacional, e não haviam provas consistentes para ligar
Skelton às latas encontradas.
Com o tempo, o curioso fato foi virando lenda. Mas o principal legado do que ficou conhecido por “Verão da Lata” foi a qualidade da erva. Naquele tempo a maconha distribuída no Brasil era de péssima qualidade, além de ser “batizada” - misturada com outros produtos para aumentar o volume. Era comum o usuário empreender um verdadeiro ritual para elaborar os “baseados”, lavando a erva em água morna para, depois, peneirar, selecionar manualmente, e secar ao sol. Ao final dos anos 80, no entanto, os brasileiros conheceram dois tipos de maconha de boa qualidade: a “Da Lata” e o “Mike Taison”, que surgiu no mercado para concorrer com a novidade. A maconha conhecida como Mike Taison ficou famosa por ser muito forte como o soco do famoso boxeador, capaz de “chapar” o usuário com uma ou duas tragadas.
Well, fato ou lenda, o “Verão da Lata” realmente existiu. Eu fui testemunha. Porém, separando o exagero da realidade, uns dez anos depois, fornecedores de maconha continuavam a vender a “Maconha da Lata” e alguns consumidores juravam ainda estarem a fumar aquela erva especial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário