Havia poucos meses que tinha atendido convite do Abrahão para assumir a Diretoria Executiva da Associação Brasileira das Agências de Viagens, seção RGS, instituição que ele era Presidente. Proposta tentadora, pois a diretoria corporativa da instituição tinha criado o cargo pensando em me contratar. O Abrahão, empresário agente de viagens, muito conhecido por enxergar o mundo de maneira diferenciada, um sujeito adiante do seu tempo, que acreditava em gestão moderna, livre, aberta, fez o convite pessoalmente, no mesmo dia em que eu me demiti do cargo de Diretor Técnico da empresa pública de turismo, EPATUR, e do Conselho Municipal de Turismo, órgão que eu presidia, alçado àquele posto em processo eleitoral.
Recentemente, eu tinha completado
trinta e dois anos de idade, estava em excepcional fase profissional, onde tudo
que fazia dava certo e, quase sempre, virava notícia. O desafio da ABAVRS era
grande e ambicioso. Aquela diretoria aspirava um salto de qualidade para sua
instituição, que incluía uma sede ampla, no centro histórico, para facilitar a
vida do associado, incluindo centro de treinamento, formação,
profissionalização. Um cartão de visitas capaz de impor respeito.
Assumi com pompas e honras, com
direito à apresentação numa festa de final de ano que anunciaria o início de um
ano novo, como uma nova era para a ABAVRS, um novo patamar para os agentes de
viagens. Muita responsabilidade. Estava
feliz, um gigantesco desafio diante de mim, bom salário, excelentes condições
de trabalho, apoio total da diretoria e conselho, gente de qualidade e,
absolutamente, séria. Algumas destas pessoas, verdadeiras lendas da atividade
turística no mundo, estavam disponíveis para me ajudar, diuturnamente, respeitando
minhas convicções ideológicas, na maioria das vezes, diferentes das deles. Era
como receber salário para cursar um doutorado, recheado de mestres que
transbordavam sabedoria e experiência. E ainda recebia tratamento de garoto
prodígio. Fui muito feliz ali. Passados trinta anos, este tempo foi um dos que
mais gosto. Construí amizades profundas, e consolidei outras, das quais tenho
imenso orgulho e satisfação.
Bem, meses depois, compramos a sede.
Quase um andar inteiro do histórico Edifício Delapieve, no Centro. Em frente ao
Mercado Público e ao prédio da Prefeitura, com uma vista eterna para o Rio
Guaíba e para o principal cartão postal da cidade: seu extraordinário e belo
pôr-do-sol. O Abrahão, o Waldir e a Deise, apresentaram a minha sala, no melhor
lugar da sede. Eu trabalhava como um cavalo na fazenda, feliz, satisfeito e
orgulhoso. A inauguração da sede trouxe tanta gente que tivemos medo de faltar
quitutes e espumantes.
Na primeira semana de trabalho, no
entanto, tivemos o grande acontecimento que quase nos levou da Glória à
Tragédia. Num dia resolvi não sair para o almoço. O secretário Jesus e o
assistente Valmor, foram para o restaurante e prometeram trazer meu lanche.
Zelosos, tomaram o cuidado de chavear a pesada porta de ferro. Ora, o prédio abrigou,
nos seus áureos tempos, uma das maiores corretoras de valores do país e, por
isso suas salas eram fechadas com pesadas portas de ferro. Fechado em minha
sala, com ar-condicionado e rádio ligados, eu estava isolado. Mas, num
determinado momento ouvia um burburinho como se estivesse num estádio de
futebol. O burburinho foi aumentando e, logo, ouvia sons de sirene e apitos,
como se fossem bombeiros. Peraí! Bombeiros? Corri para a janela e pude notar
uma enorme massa de gente lotando o Largo Glênio Perez, diante do prédio.
Abrindo a janela, ouvi grande parte daquele massa de gente a gritar: Fogo!
Fogo! Fogo! Olhei para cima, de onde caiam vidros e saia uma fumaça preta
assustadora pelas janelas do prédio. Corri para a saída e constatei que estava
trancado na sede. A porta de ferro tinha furos ornamentais e decorativos, por
onde vi pessoas correndo escada abaixo, aos gritos. Em seguida as luzes do
prédio apagaram. Fui ao telefone e este já estava mudo. Infelizmente o celular
e a internet ainda não existiam. Voltei para a porta de ferro e vi bombeiros
subindo pelas escadas. Chamei o último deles que me mandou sair correndo,
porque havia incêndio no prédio. Avisei que estava trancado. Ele tinha uma
marreta na mão e, em segundos, abriu a porta. Desci os seis andares sendo
empurrado pelo bombeiro. Cruzei a portaria do prédio em duas passadas e
alcancei a rua. Estava salvo.
O incêndio não foi grave. Uma advogada
do 12º andar foi almoçar e esqueceu uma vela acessa diante de uma gravura de um
santo de quem era devota. Uma janela entreaberta, corrente de ar e as cortinas
fizeram o resto.
No dia seguinte, em reunião com a diretoria e conselho, relatei o ocorrido e mostrei os jornais. Alguns riram, outros ficaram espantados. O Abrahão colocou a mão no meu ombro e disse: - Benvindo à vida dos agentes de viagens. Aqui temos sustos e emoções, garantidos, todos os dias. Poucos anos depois, proprietário da minha própria agência, fui aprovado como sócio na ABAVRS.
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