02/03/2021

Diário da Peste: A morte vos cumprimenta

    Completamos um ano desde que o sinistro manto da morte cobriu o mundo, substituindo o vai e vem da Lua e do Sol pelo "sem cor" uniforme, que juntou dias e  noites e espalhou o medo em todos os cantos.
      Mais uma semana e eu vou fechar a conta de 325 dias recluso nos limites do pátio. As saídas foram reduzidas, gradativamente. Agora uma única saída e comprar o essencial para sobreviver, em alimentos e medicação. O whatsapp, o messenger e o skype se transformaram em parceiros protetores, viabilizadores dos exercícios físicos, das aulas, das reuniões de trabalho, passeios e visitas à amigos e aos filhos. O celular é a ferramenta para encurtar distâncias, resolver pagamentos e eliminar idas ao banco.
      Ouvi minha própria voz, na gravação do programa que enviei para a rádio. Nem lembrava mais como era. Meus filhos, pela internet, observaram que meu cabelo está mais ralo, e, porque tirei a barba à pedido deles, tenho mais rugas ao redor dos olhos e no pescoço. Notei, pela tela do notebook, que meu irmão está com o cabelo mais branco. Olhando velhas fotos que resolvi digitalizar, aproveitando o tempo recluso para organizar arquivos, senti saudades de lugares por onde andei, das amigas e amigos, dos encontros etílico-gastronômicos, do barulho do mar, do cheiro da grama molhada pela chuva. 
      No Brasil, hoje, morreram mais de 1700 pessoas, só entre as vítimas da peste. O Rio Grande do Sul contribuiu com 185, destes, 44 eram de Porto Alegre. Antes do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, chegaremos aos 260mil mortos no país. Meu pai entrou nesta lista em agosto do ano passado. Bem no meio da crise da peste. Pobre do meu país. Pobre da minha gente. Não tem hospital, não tem antídoto, não tem solução, não tem esperança.
        Nasci aqui. O Brasil tem o tamanho de um continente. Mas tem a irresponsabilidade maior que isto. A peste não matou sozinha. Ela teve ajuda. O governo nefasto, néscio, nojento, forneceu as armas e escondeu os remédios. O massacre ficou na conta dos seus lunáticos seguidores. Matam e morrem. É a dança louca dos fanáticos. Assassinam e cometem suicídio. Morrem abraçados à suas vítimas. Um estranho e doente comportamento, como o da tarântula. Mas o arquiteto do terror permanece. Ele se alimenta do ódio e do sangue. Saqueiam, roubam, estupram. Em meio ao caos, vivem, sem rumo, erráticos. Hipnotizados, seguem a melodia da morte. A morte tem nome. Ela se chama fascismo. E, agora, vos cumprimenta.


  
          

Nenhum comentário: