
De repente um homem bateu levemente no vidro do meu carro
para chamar minha atenção. Sentando ao volante, observei um menino na altura do
meu rosto me observando com seus olhos tristes e a carinha manchada de pingos
de tinta branca e um pouco de sujeira escorrendo nas bochechinhas com a água da
chuva que, tocada pelo vento, teimava em enganar o surrado guarda-chuva que mal
abrigava o homem e a criança.
Abri o vidro e o homem pediu algo como os cinco reais de
hoje, porque precisava ir até o bairro Restinga, onde morava, e não tinha grana
suficiente para o ônibus dele e do menino. Por ele iria a pé, mas não queira cansar
o garoto, seu filho, que tinha vindo com ele durante a semana para aprender o
oficio de pintor, trabalho com que o homem sustentava sua numerosa família.
Estava sem grana porque ficara pintando um grande apartamento
no final da Getúlio Vargas e o patrão, dono da imobiliária ali da esquina da
Getúlio com a Marcílio, não o tinha podido esperar para pagar a semana de
trabalho. O patrão era um homem bom, trabalhava para ele por anos e lhe avisara
que não chegasse tarde porque tinha pressa em viajar no feriadão com a família.
Por certo demorou muito e o patrão viajou. Agora estava sem o dinheiro
suficiente para ir para casa e não queria sacrificar o garoto indo a pé até o
bairro Restinga com aquela chuva toda.
Ao ouvir aquela história e observando os olhos famintos do
menino, abri a carteira, também saindo para viajar e aproveitar o feriadão,
estava com muitas notas dentro, mas nenhuma nos cinco reais que o homem
precisava. Revirei os bolsos e o porta-luvas, mas apenas notas de cinquenta e
de cem eu encontrei. Tomado por um sentimento estranho e, sem desviar meus
olhos dos olhos do menino, ofereci uma nota de cinquenta, que o homem
prontamente recusou, desculpando-se, porque necessitava apenas completar a
passagem do ônibus no valor de cinco reais. Eu retruquei dizendo que ele
poderia fazer umas compras e levar para casa, para preparar um jantar em
família. A chuva ficou mais forte, e o homem recusou novamente, agradecendo e
desculpando-se pelo incomodo que estaria a me causar. Ele somente precisava
completar o dinheiro da passagem e depois, não queria que o filho aprendesse a
pedir, mas sim a receber pelo trabalho honesto.
Eu sai do carro e insisti, agora argumentando que seria ruim
para o menino aquela hora da noite e com chuva, estar ao desabrigo. O menino
abraçou a cintura do pai, assustado, e o homem, já irritado comigo, perguntou
porque eu estava querendo humilhá-lo na frente do filho. Ele só tinha me pedido
algum recurso solidário para completar a passagem, não precisava do meu dinheiro
para dar comida à sua família, porque trabalhava e recebia para tanto, e o
menino estava aprendendo isto.
Argumentei que seu patrão não o tinha esperado e pagá-lo pelo
seu trabalho e que este dinheiro que oferecia seria, então, um empréstimo. Na outra
semana eu viria receber. O homem recusou novamente o dinheiro, pois o patrão
era um bom homem, só o tinha esquecido naquele dia porque era um homem muito
ocupado e, como eu estava fora do carro e era mais alto que ele, num gesto
brusco protegeu seu filho atrás do seu corpo, fechou o guarda-chuva, e adotou
posição de defesa, como se eu fosse atacá-lo. O menino continuava a me olhar fixo,
com seus olhos tristes e agora com medo. Acometido por uma emoção que nunca
havia experimentado, me vi na chuva, molhado e oferecendo meu dinheiro ao
homem.
Peguei toda a grana que tinha carteira e lhe ofereci, já
xingando - aos berros, o homem que, ao meu ver, não estava cuidando bem do seu
filho. Pois o sujeito bateu na minha mão jogando meu dinheiro no chão encharcado,
virou as costas e afastou-se já me criticando, ameaçadoramente, recusando meu
dinheiro e me chamando de maluco.
A Rosane vinha saindo com seus colegas e vendo a cena,
inicialmente pensaram tratar-se de um assalto. Vieram socorrer. Eu estava
chorando e não conseguia explicar o que tinha acontecido. Não viajei mais no
feriadão e passei aqueles dias calado, sem conseguir entender o que tinha
acontecido. Mas, passados trinta anos eu não consegui, por um momento que seja,
esquecer o olhar triste daquele menino.
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